Os debates da última semana e a fragilidade da política atual

Nesta primeira semana de outubro, tivemos a oportunidade de acompanhar os primeiros debates presidenciais dos EUA, entre Binden e Trump, bem como o primeiro debate dos candidatos a prefeito de diversas cidades aqui no Brasil (especificamente o de SP).

Infelizmente, o cenário foi desolador, seguindo a tradição deste período histórico em que a soma da ignorância/alienação ao formato das redes sociais nos levam a uma enxurrada de simplificações, agressões e tentativas de lacrar (em quase todos os temas e ambientes).

Nos EUA, praticamente não houve debate. Trump levou o evento para seu campo de domínio: mentiras e grosserias. Binden caiu na armadinha:  mal conseguia terminar os raciocínios e perdeu a paciência, mandando Trump calar-se, além de rir das falas surreais do adversário. Basicamente atacaram um ao outro. Nada seriedade ou propostas concretas, ponderadas e racionais para o futuro (pandemia, relações internacionais, sustentabilidade, inclusão das minorias, desenvolvimento econômico). 

Em São Paulo, no debate da Band, outro show de horrores: demagogia, ataques, falas completamente artificiais cunhadas por assessores, simplificações. O foco das discussões eram a desqualificação dos adversários e seus padrinhos políticos.

Os problemas reais da cidade não foram abordados com profundidade. As soluções propostas resumiram-se a slogans rasteiros.

Covas e a turma da direita atacaram o "bolsa-crack do PT". O PT atacou as "maldades" de Covas com pobres e crianças. Os bolsonaristas atacaram as medidas contra o COVID da prefeitura. Joice defendeu o "Cristolandia"(?). Covas acusou o PT de "quebrar" a cidade, ignorando as falas elogiosas de Dória sobre Haddad durante e após a transição. 

Russomano foi na linha New Populismo Malufista ( voz aveludada para dizer que vai cuidar das pessoas, sem qualquer proposta concreta). Artur do Val focou em desqualificar a todos com frases de efeito e pedir acessos aos seus perfis nas redes sociais. Marina Helou foi monotematica, com frases prontas, e reforçou diversas vezes que ecologia/sustentabilidade não é só abraçar árvores (?).

Boulos ao menos mostrou-se o candidato mais competitivo da esquerda, não apenas pelas intenções de voto nas pesquisas, mas pelo desempenho sofrível de Tatto e Orlando Silva. Contudo, abusou de ataques e ironias, como ao acusar (com embasamento) a omissão de Márcio França em relação ao feminicídio, que defendeu-se alegando que esta eleição seria das mulheres (contudo elas não ganharão, necessariamente, mas serão relevantes para a vitória dos candidatos (?)), lançando mão do clichê, ao exaltar a força e a capacidade de decisão das mulheres (não seria o caso de votar em uma?), e finalizou com o argumento de que não poderia ser machista por estar com a esposa no estúdio (“sua marqueteira número um”). Aqui cabe reforçar que, em geral, pessoas que cometem atos de machismo, racismo ou homofobia, em geral, alegam que por terem relações sociais com pessoas com estas características, não poderiam ser intolerantes (isso é bem mais fácil do que admitir o erro e retratar-se). 

Basicamente, quem tentou entender as diferenças entre os candidatos, bem como suas propostas para a maior metrópole brasileira, certamente saiu frustrado. Mesmo quem possui conteúdo, buscou adaptar-se ao figurino lacrador, sem coerência, respeito pelos adversários, nem pelos cidadãos.

Tal cenário, retratado acima, é ótimo para os maus políticos, que, com menos escrúpulos, tendem a sair vitoriosos na guerra de versões ainda pouco regulada nas redes sociais.

Isso alimenta o sentimento antipolítico, que faz com que a maioria das pessoas acreditem verdadeiramente que nossos representantes no executivo e no legislativo são todos iguais: corruptos, mentirosos e incompetentes. Se todos são iguais, “tanto faz em quem eu votar”. Desta forma, as pessoas votam em quem “parece” não ser do establishment (Collor, Bolsonaro,  Dória, Zema, Witzelt, Tiririca...), que, em geral, possuem boa-vontade com os interesses da elite econômica.

A antipolítica é ótima para os poderosos.


Octavio Carvalho - Jornalista

Comentários